segunda-feira, 4 de abril de 2011

C&G

No pátio das traseiras o calor parecia mais intenso, e até Chanina se rendeu à sombra que a casa caiada projectava.
Dengosamente avançou em direção a Buia-Buia, e rabeou até este se mover, deixando o lugar que anteriormente ocupava para Chanina. Embora a sombra se estendesse, Chanina fazia sempre questão de ocupar o lugar de Buia-Buia. Este, inicialmente incomodado, passou a interpretar este gesto como um elogio à sua capacidade de escolher o melhor lugar para descansar.
As crianças corriam em biquíni e chinelos, atirando água uma à outra. Pouco depois de tocar o chão, já toda a agua se tinha evaporado, perfumando o ar. As crianças enchiam novamente os baldes da praia, e voltavam a molhar-se.
Durante este jogo, acidentalmente atingiram Chanina com alguns salpicos, precipitando a sua mudança para o alpendre, onde a avó, sentada num banco que mais parecia de bonecas, partia amêndoas com um martelo, juntando as num saco de serapilheira.
- Os pequenos perturbam o teu sono, gato?
Respondeu com um demorado e intencionado "Miauuuu", sabendo que avó Nuna não resistiria ao seu apelo. Pouco depois, Chanina lambia os bigodes, repastado, perante uma tigela de leite vazia.

- Preciso de falar contigo, João. Preciso muito de te ver.
- Esta semana tenho muito trabalho, tenho relatórios para entregar, estamos em fase de mudanças na empresa, podemos combinar para a semana?
- Preciso de te ver, a que horas sais?
- Hoje não posso...
- A que horas?
- Não vai dar...
- A que horas, João?
- Às sete...
- Ótimo, dá tempo para me arranjar. Apanha me em minha casa, e vamos jantar fora.
- Vamos jantar onde?
- Deixo a escolha contigo, tu é que és o homem! Surpreende me!
Não era a primeira vez que o fazia, surpreender Luísa. Mas por mais que João se esforçasse, o efeito produzido não era o por ele pretendido. Desde sempre estivera apaixonado por Luísa, e faria qualquer coisa por ela. Apanha-la para jantar, saber que ficaria até de madrugada ouvindo a falar sobre mais um relacionamento falhado, pronunciando se neutralmente, recolhendo se à condição de melhor amigo, era a função de João, e ele interpretava a na perfeição.